Os pais de
filhos que morrem cedo ganham um convite especial, que poucas vezes temos oportunidade
de receber. Somos convidados a olhar para dentro e reformular nossos conceitos,
para podermos refazer nossa identidade, de uma forma mais sólida, mais madura,
mais consciente. Esse processo de autorrecriação ocorre como consequência de
precisarmos atribuir novo sentido às coisas que sobraram, após o deslocamento
do eixo central de nossa vida. Se nosso tempo não será mais preenchido com as
tarefas relacionadas ao filho que partiu (não vamos mais alimentá-lo, acariciá-lo,
brincar com ele), devemos ocupar nossas horas diárias com algo que tenha uma
importância idêntica, ou pelo menos, semelhante.
Não é nada
fácil extrair de outras atividades a mesma satisfação que nos proporcionava a
troca de afeto com aquela pessoa tão querida. Mas, diante da necessidade de
fazer malabarismo, para não sucumbir dentro do vazio que nos esmaga, acabamos sendo
levados ao encontro daquilo que finalmente nos devolve a felicidade. Quando
nosso recolhimento nos conduz até o âmago de nosso espírito, recuperamos a
capacidade de experimentar a alegria que havia desaparecido junto com quem
partiu. No sofrimento, somos despedaçados. Mas, através do trabalho de reunir
nossos caquinhos, surge a chance de sentir mais uma vez o prazer que sentíamos,
quando nosso filho estava por perto.
Afinal, entendo
que o grande prazer de ser mãe (ou pai) provém do fato de estarmos criando uma
vida. Um filho, sem dúvida, é uma vida que ajudamos a criar. Porém, não é a
única forma que está à nossa disposição para sermos criadores. O buraco que o filho
deixa em nós, quando morre, concede a oportunidade de criar outra vida: a nossa
própria. Uma vida que parecia ter chegado ao fim e agora recomeça. Se a dor
serviu para mostrar quais eram nossos pontos vulneráveis, graças a ela passamos
a saber onde podemos nos corrigir.
Aprender a amar
a si mesmo, assim como se amava o filho, é um caminho viável para quem deseja
ser feliz novamente. E quando conquistamos esse amor, o carinho empregado na
construção de nosso novo “eu” tem o potencial de gerar uma alegria incomparável,
pois percebemos que nosso filho nos transformou em uma pessoa melhor.